Carta de amor N° 2

Todo mundo tem uma ou outra lembrança gravada a ferro quente na memória. Eu tenho várias lembranças assim. Uma delas envolve você. Na verdade, tem uma pasta no meu cérebro com lembranças assim da gente. Entre elas, tem uma que me comove em especial: chega o final do dia, a tardinha, a Tia Neuma mandava a gente ir comprar o pão. Íamos na Padaria Estrela na Godofredo Maciel. Quando chegávamos em casa, no lendário apartamento 202 no bloco B6 do Residencial Parque Maraponga, era mais ou menos o horário que estava começando Malhação, na época a música de abertura era essa aqui:

Toda vez que essa música toca eu lembro dessa cena. A gente chegando com uma sacola de pão. O céu alaranjado do pôr do sol. O cheiro do Nescafé. Até o cheiro do sabonete Protex que escapava do banheiro social que ficava no corredor. E tinha outro cheiro que se seguia a esses. Mais ou menos do meio pro fim do episódio de Malhação, a Izabel ligava a fritadeira e começa a fritar os pastéis no apartamento exatamente embaixo, no térreo. O cheiro às vezes era tão forte que o pão com café que a gente comia já tinha o gosto do pastel misto…

Aí a gente tomava banho, comia (às vezes o contrário) e descia pra encontrar os amigos do condomínio e vadiar (depois de já ter passado o dia vadiando). O condomínio por si só é um personagem dentro dessa mitologia formada pelas minhas memórias. Tinha aquele lugar estranho e malignamente mal iluminado perto da estação de tratamento de água, que os meninos se encontravam com as meninas pra fazer coisas que os nossos pais não gostavam que fizéssemos naquela idade. Tinha a lenda da menina que morreu afogada na lagoa da Maraponga e de madrugada ela andava pelo condomínio (?) e deixava uma marca de mão nas paredes. A banca do Edson. Aqueles dois salões de festas que serviam pra tudo, menos pra fazer festa. Os brinquedos do lado do salão de festas que já não existem mais faz séculos. As mangueiras. O pé de jabuticaba já no final do condomínio. Aquela mercearia estranhamente localizada em um quarto em um dos apartamentos no térreo. As guaritas que serviam pra tudo com exceção do seu propósito original. Os bancos de concreto extremamente mal distribuídos. Pensando melhor agora, a maior parte daquele condomínio não funciona como deveria. Mas era massa né? Era divertido e nós fomos felizes lá. Ok, sempre tinha umas tretas, mas no geral a gente se divertiu bastante ali. Lembro que às vezes a gente dava voltas no condomínio só pra espantar o tédio, dizíamos que íamos fazer a ronda. Mas o legal mesmo era ficar conversando enquanto caminhava.

Você lembra se alguma vez a gente chegou a brigar? Eu não tenho certeza. Acho que nunca brigamos. Talvez uma birra ou outra quando mais novos, mas brigar de vera acho que não. E os vídeos games? Aí tem história a rodo né? Eu tenho lembranças maravilhosas da gente jogando Donkey Kong Country 2 no seu quarto. Suando pra passar das últimas fases. Lembro de um dia que a gente ficou na janela do Pedro e do Paulo (os gêmeos), olhando eles passaram de alguma fase, o apartamento deles era no térreo e a gente ficou lá em pé olhando e conversando. Será que a mãe deles ainda só fuma Free? Bem, não importa. Eu era bem pequeno nessa época. Eu ainda era o Teletubies. Por sinal, eu não lembro quem foi que me colocou esse apelido, não lembro se foi algum dos gêmeos ou se foi o Fabrício Cigarrão. Mas acho que isso também não importa agora. Pra encerrar essa era do Super Nintendo, eu gostaria só de deixar isso aqui:

Depois veio a era do playstation, que também me traz um turbilhão de outras memórias. Você se lembra de uma vez que o Melkey (faço zero ideias de como se escreve esse nome) colocou o playstation dele no hall e a gente ficou jogando Crash? Eu lembro com riqueza de detalhes, o chão gelado do hall e o Melkey (tomara que seja assim mesmo que se escreve) fazendo piadas relacionadas ao desenho Futurama. Lembro da gente suando sangue pra finalizar Metal Gear, o playstation por algum motivo ligado no quarta da Tia Neuma, e a gente lá. Vidrados. E claro que eu não posso esquecer dos embates lendários do Thiago Bolinha vs Tiago Beiçola, qualquer jogo eles rivalizavam. Bolinha era um monstro no Tekken 3, mas acho que ainda hoje ele não sabe jogar futebol do play 1 direito (não que eu saiba né?). E a locadora do Francisco? Deixamos muito dinheiro lá. Você já se tocou que um dia a gente saiu de lá sem saber que nunca mais voltaríamos? Adoraria conseguir lembrar a última coisa que eu joguei lá. Mas eu não consigo.

E quando começamos a jogar RPG? Acho que as melhores viradas de noite que tivemos foi jogando RPG. Bom, tinha aquelas noitadas na casa da Lili que eram massa também né? E aquelas na casa da Silmara também. Ok, acabei de lembrar das noitadas na casa da Rosane e da Rogena, é melhor parar por aqui.

Porra! Muito Lembrança massa né? É até difícil não dar nó na garganta. Você sente falta? Eu sinto. Às vezes eu gostaria de voltar no tempo pra reviver alguns dias específicos e fazer tudo de novo, sem mudar nada. Se você pudesse reviver um dia desses que a gente estava juntos, qual seria? Um daqueles reveillons no aterro da Praia de Iracema talvez? Se fosse pra escolher seria difícil. São muitos bons momentos juntos.

Fazia um tempão que eu queria escrever esse texto. Achei que o seu aniversário de 30 anos era um momento oportuno. Sabe, faz uns dias que eu tenho me pegado em uma melancolia nostálgica terrível. É como se o sol que brilhava naqueles dias não fosse o mesmo sol que brilha hoje. Como se os dias atualmente fossem mais cinzentos. Estou com 27 anos e as vezes sinto como se logo logo eu fosse morrer de velhice. Será que vivemos demais em pouco tempo? Acho que isso também não importa agora.

Resolvi olhar pra um passado mais recente e descobri que ainda estamos construindo memórias maravilhosas juntos. Quando você casou eu fiz aquele lance do livro de votos que ainda hoje me enche os olhos. Quando a Fran ficou grávida, a gente fez aquelas fotos na praia também que é algo que vou me lembrar durante a vida toda.

Eu sabia que eu chegaria no final desse texto sem saber direito como encerrar. Mas talvez isso seja bom. Sinal de que nossa amizade está longe de terminar. Então é isso. Ainda estamos aqui. Amigos como sempre fomos. E se Deus permitir até o fim da vida.

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