13hs, no ônibus, sobe um garoto de pés sujos. Observo.
Roupas igualmente sujas como os pés, um olhar, uma expressão, o ódio.
Sabia o que iria acontecer em seguida, só não quis acreditar que seria duas vezes em uma semana.
Sabia o que aconteceria por que conheço cada centímetro quadrado dessa expressão, desse sentimento.
Eu quis falar com o garoto, quis mesmo, sabia tanto o que ele iria fazer, do fundo do meu coração, quis ir até ele e dizer que não valeria a pena, que isso não iria dar em nada.
Tive 2 ou 3 minutos de reflexão. Pensei demais.
Duas facas, uma na mão direita bem perto do pescoço do trocador e a outra na mão esquerda apontava para parte de trás do ônibus.
O trocador congela, 2 ou 3 segundos se passam até que o garoto grita: DINHEIRO!
Acho que ele tentou formular alguma frase, mas estava tão dopado de ódio e outras coisas que só conseguiu dizer isso.
O garoto nem mesmo percebeu que tinha anunciado o assalto em frente a uma academia de fardas azuis (Av. Perimetral).
O resto foi tudo muito rápido:
Todas as portas se abrem, gritaria, atropelo, choros.
O garoto de pés sujos se agarra com outro garoto sentado na cadeira na minha frente, um refém.
Sou um dos últimos a correr, já estando na calçada, percebo que o local já estava cheio dos homens de fardas azuis.
Um “pipoco”, 2 ou 3 segundos sem audição e sem equilíbrio.
Olho para trás, o garoto de pés sujos desce agarrado com seu refém, uma faca no pescoço e outra na barriga, prontas para um abraço mortal.
Ele solta seu refém, a expressão de ódio começava a dar lugar a expressão de pavor.
No instante seguinte que solta seu escudo humano, uns dez homens de fardas azuis voam em cima dele.
Tudo é levado para dentro da academia: o garoto de pés sujos, suas facas e o refém. Uma trilha sonora era cantada pela população nesse instante: BATE, BATE, BATE, BATE NELE!
Todos voltam para parada, esperar o próximo.
Na minha cabeça ainda ecoam duas coisas: sua expressão de ódio e a única palavra que ele conseguiu dizer nesse episódio, a coisa que na minha concepção serve de combustível para essa merda toda: o dinheiro.
Fato ocorrido em 14 de agosto de 2015.