Na ponta dos dedos

Estava alegre e solitário caminhando pelo shopping Nordeste. Tinha ido resolver umas coisas e tive que almoçar no shopping mesmo. Cheguei na praça de alimentação e fui fazer o clássico circuito de passar por todas as opções de comida até achar alguma coisa que me agradasse naquele dia. Comecei da primeira loja à minha direita logo na entrada da praça e fui em sentido horário, indo de balcão em balcão.

Mais ou menos no meio do circuito, um daqueles garçons da praça de alimentação do shopping me ofereceu o cardápio. Estendi a mão para pegar o cardápio e olhei pro rosto do garçom só por costume. Foi a minha perdição. O cu chega piscou. O boy tinha mais ou menos um metro e oitenta de altura, dez centímetros mais alto do que eu. A altura perfeita para mim. O suficiente para eu me sentir um bebezinho nos braços dele, mas não muito alto para não ficar incômodo na hora de beijar. O físico era atlético, sem um pingo de barriga saliente, mas não era bombado, o que também é um ponto positivo para mim. O braço direito era todo tatuado, mas não consegui distinguir muito bem os desenhos. O cabelo com corte social, barba rala, queixo bem marcado ala Bruce Wayne, perfume amadeirado e nitidamente bronzeado. Observei tudo com um único golpe de vista. Usei toda minha força de vontade e autocontrole para não ficar ali parado contemplando o garçom. Rapidamente me virei para o cardápio e abri, fiz qualquer pergunta aleatória sobre a comida só pra sentir o timbre da voz do indivíduo. Voz grossíssima. Na minha cabeça eu já conseguia ouvir aquela voz urrando na hora do gozo em cima de mim. Falei que ia ver as outras opções e devolvi o cardápio, só para disfarçar mesmo, o meu estômago (ou o meu cu) já tinha decidido.

Completei o circuito, já completamente sem interesse em tudo que via, só pensava em voltar no garçom e pedir qualquer coisa que me desse mais alguma chance de interação com ele. Assim que voltei ele perguntou:

 – Já decidiu?

 – Já sim, vou comer aqui mesmo.

 – Você pode sentar naquela mesa, ali? – Apontou para uma mesa um pouco mais afastada, pois as mais próximas estavam todas ocupadas.

Sentei e fui realmente conferir o cardápio, da primeira vez não tive forças para analisar de fato. Tinha várias opções de prato feito baratas, o bom e velho PF, só que no shopping não pode chamar assim, sempre é apresentado como “pratos para uma pessoa”, enfim, a hipocrisia, de qualquer forma, por mais que não acontecesse nada com o boy, pelo menos o almoço seria barato. Quer dizer, é óbvio que não aconteceria nada, a criatura exalava heterossexualidade, mas eu me permito sonhar. 

Escolhi um bom PF de picanha suína com molho barbecue, arroz de brócolis, purê de batata e salada. Eu acho esquisito descrever um prato, sempre que alguém descreve um prato parece mais gostoso do que realmente é. Chamei o boy e fiz o pedido, pedi para trocar o purê de batata por batata frita, tive a sensação de que seria mais harmônico. Demorou pelo menos meia hora para ficar pronto, mas a fome não foi um problema, sentei de frente para o restaurante do boy e fiquei analisando todos os seus movimentos. A forma como abordava os clientes, sempre se inclinava levemente para frente devido a altura um pouco acima da média. A forma como ficava totalmente ereto quando não tinha clientes por perto, usando a altura privilegiada para analisar a movimentação da praça. A musculatura claramente tonificada, mas sem tensão, sugeria que praticava algum esporte com frequência. Essa mesma musculatura atenta era usada para maximizar o foco no trabalho.

Foi inevitável não criar toda uma narrativa na minha cabeça. Pelo físico e bronzeado, talvez fosse surfista? Talvez estivesse focadíssimo no trabalho para conseguir juntar dinheiro e participar em uma competição de surf fora do país. Hawaí talvez? Eu não entendo nada de surf, mas aprenderia rápido com ele. Nós trocaríamos contato quando eu pagasse a conta, nos conheceríamos, transaríamos bem muito e engataríamos um relacionamento. Ele finalmente consegue tudo o que precisa para ir para a competição, eu consigo um jeito de ir com ele. Sou o seu maior fã na beira da praia quando chega a vez dele na competição. Perco a voz de tanto gritar. Ele conquista o primeiro lugar. Em pouco tempo é reconhecido o melhor surfista do mundo. Rico, lindo, talentoso e famoso. Sua carreira de sucesso no surf sempre edificada por uma origem humilde, trabalhou como garçom para conseguir participar da sua primeira competição importante.

 – Senhor? – Não tinha percebido, mas meus olhos já estavam completamente desfocados de tanto imaginar minha vida com o boy, não percebi quando ele se aproximou trazendo o meu pedido, quando dei conta ele já estava bem na minha frente. Não sei quantas vezes ele me chamou, mas provavelmente foi mais de uma. Enquanto me recuperava do retorno ao mundo real, ele se inclinava para depositar a bandeja com o meu pedido na mesa. Era a minha chance.

 – Você surfa? – Mandei a pergunta de supetão mesmo.

 – Não, senhor – Fiquei incrédulo e até irritado, quem ele pensa que é para acabar com o nosso romance que criei na minha cabeça?

Ajeitou tudo cuidadosamente na mesa, os movimentos sempre exatos e atentos, mostrando que já tinha muita intimidade com as rotinas do trabalho. Um homem lindo desses já deve tá acostumado a ser chavecado, talvez isso explicasse a crueza da resposta. Por fim, pegou a bandeja, ficou novamente na sua posição totalmente ereta e perguntou.

 – O senhor vai querer beber alguma coisa?

 – Não. – Estava contrariado demais para ter que ainda decidir o que iria beber.

 – Bom almoço.

 – Obrigado.

Pelo menos o prato era bonito e parecia suculento, com exceção da salada que era bastante mirrada. Uma folha de alface, uma rodela de tomate, umas tirinhas de cenoura e isso, o pedaço do porco era bem generoso. Resolvi começar pela batata frita, espetei uma de tamanho médio com o garfo, melei no molho barbecue do porco e coloquei toda na boca, o molho estava ótimo, mas senti algo errado. Espetei mais uma batata e mordi a metade. Estava sem sal! Procurei sachês de sal e não achei. Um verdadeiro absurdo. Me levantei imediatamente e fui em busca do sal.

Caminhei de forma direta e precisa em direção ao boy. Acabar com o nosso romance e ainda me deixar com batata insossa era demais. Soava até como ingratidão. Quando ele percebeu pareceu se assustar, talvez eu estivesse demonstrando estar indignado. Antes de chegar perto o suficiente já perguntei se tinha sal. Ele levou a mão para um depósito de sachês de sal que estava no balcão e retirou dois. 

Estendi a mão para pegar. Senti a ponta dos meus dedos encostarem na ponta dos dedos dele. A pele da palma da sua mãe era bizarramente grossa. Parecia impossível naquele contexto, mas novamente caí em tentação. Eu queria simplesmente ignorar o desgraçado, mas como? Aquela pele grossa na mão era tão incomum que me empurravam violentamente para o mundo da imaginação de novo. Será que ele mentiu quando disse que não surfava? Como diabos a pele da mão dele ficou tão grossa? Usei toda a perícia do meu corpo para tentar prolongar aquele toque, o suficiente para conseguir extrair o máximo de informação tátil possível, mas breve o suficiente para ele não ter certeza que eu era maluco. Uma mão grossa daquelas, com certeza o pau deve ser daqueles que a pele da cabeça é extremamente áspera. Imaginei ele arranhando o meu rosto todo esfregando a cabeça do pau na minha cara. Imaginei ele me puxando pelas ancas de quatro com toda força, tal qual um cavalo puxa uma égua para enfiar-lhe a pomba até o talo. Imagine só um tapa com essa mão? Uma só mãozada dessa e eu já fico tonto quase desmaiando. Ok, CHEGA! Peguei o sal e voltei para minha mesa. Não sei se ele desconfiou de algo.

Voltei para a minha mesa e almocei calado e conformado. Sem olhar de novo para o boy. Na hora de pagar, tentei catar os trocados na carteira para tentar pagar em dinheiro, pensando em ter mais uma chance de encostar naquela mão. Infelizmente o dinheiro em espécie que tinha não era o suficiente, teria que passar no débito mesmo. Fiz sinal para trazer a conta, ele fez sinal perguntando se era para levar a maquininha do cartão. Fiz sinal de joinha, ele trouxe a máquina e paguei a conta. Saí de lá quase ressaqueado de tanto romance e tesão não realizado. Mais uma vez me apaixonei perdidamente por um hétero aleatório no meio da rua. Nada de novo no front.

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