Medo do telefone

No dia 04 de junho deste ano eu perdi um tio, já contei sobre isso aqui no blog. Ainda estávamos nos recuperando do luto, quando meu pai começou a apresentar sintomas de COVID. No dia 16 de junho, eu e minha mãe o levamos para o hospital. Na triagem já foi verificado que a saturação de oxigênio estava baixa, então ele precisou de suporte de oxigênio. Foi feito uma série de exames: sangue, SWAB, tomografia do pulmão e por aí vai. Chegamos lá no início da tarde e ficamos até a noite. A médica explicou que o protocolo atual do hospital é internar todo paciente que precisa de suporte de oxigênio, sendo as 24 primeiras horas na UTI, só por precaução. Embora estivesse molinho, ele não queria ficar internado, disse que não era nada, chegou a fazer uma piada ou outra. No fim conseguimos convencê-lo a ficar. A saga começou aí.

Na UTI o paciente não pode ficar com nada, roupas, chinelo, celular. Nada. Voltamos para casa no dia 16 com uma sacola com as coisas dele. Caso alguém não saiba, UTI significa Unidade de Tratamento Intensiva. Em alguns lugares do país é chamado de CTI, Centro de Tratamento Intensivo. É o lugar para onde vão os pacientes mais graves e que precisam de mais atenção. Não pode ficar acompanhante, o paciente fica lá só. Antes da pandemia, existia horário de visita na UTI, mas depois da pandemia isso foi tirado. O caso do meu pai não era grave, mas foi ficando com o passar dos dias e ele está lá até agora. 

Meu pai tem 66 anos e desenvolveu um quadro grave de COVID mesmo já tendo tomado as duas doses da vacina (coronavac). Nos primeiros dias na UTI ele teve uma piora, por isso ele foi colocado em coma induzido e intubado. Depois foi melhorando e estávamos esperançosos, mas nos últimos dias ele teve uma piora ainda mais grave. Uma infecção bacteriana se instalou no pulmão e nesse momento ele luta pela vida.

Como não pode mais visitar pacientes na UTI. Todo dia sai um boletim médico atualizando como está a situação dele. O boletim costuma sair entre meio-dia e 13hs. Às vezes atrasa e todo mundo fica maluco. Qualquer ligação fora desse horário já é um mal sinal, o que faz a gente ficar com medo do telefone. O fato de só atualizarem uma vez por dia também é muito cruel, chega a noite e a gente não faz ideia de como ele está, se melhorou ou piorou. Fica difícil dormir e ainda com medo de receber uma ligação de madrugada.

Ainda estou trabalhando de casa e quando chega mais ou menos às 10:30 fica impossível de trabalhar. Eu posso até querer, mas o corpo não deixa, começa uma crise de ansiedade por conta da ligação que se aproxima. O momento da ligação é sempre uma descarga emocional tremenda, mesmo o boletim sendo mais animador ou não. Depois que recebemos o boletim, escrevo o resumo e envio para uma linha de transmissão que criamos para atualizar os familiares e amigos sobre o estado dele. Às vezes, depois de enviar o boletim, eu sinto um sono muito grande, como se essa carga emocional exigisse que meu cérebro se desligasse um pouco. 

Quando publiquei o texto sobre a minha coleção de quadrinhos aqui no blog o meu pai já estava na UTI. Me senti um pouco culpado por publicar esse texto nesse período, mas é porque a escrita pra mim sempre funcionou como uma atividade terapêutica (como já expliquei nesse texto). Escrever me ajuda a aliviar a tensão. Falar sobre outras coisas que não sejam o meu problema em questão também me ajuda a me acalmar. Infelizmente, tem sido cada vez mais difícil manter a calma, cada vez mais difícil manter a esperança, cada vez mais difícil sorrir, então resolvi botar logo tudo isso para fora aqui no blog.

Nessa altura do campeonato, quem não perdeu ninguém próximo para COVID ou não precisou enfrentar uma UTI, tem que se sentir muito abençoado.

3 Comments

  1. Ow Felipe,, continuem mantendo a esperança, continue utilizando esse meio pra colocar tudo p fora mesmo. Vamos criar uma corrente positiva para melhora do seu pai. Sinta-se abraçado ♥️♥️♥️♥️♥️

  2. É um medo real, pulsante, e a escrita vem para tentar traduzir e dar forma ao que “não tem certeza, nem nunca terá/ ao que não tem conserto, nem nunca terá”. Um abraço forte, meu caro.
    Roger Medeiros.

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