Histórias na dança de salão

No dia que esse texto está sendo publicado fazem exatos 9 anos desde que eu coloquei os pés pela primeira vez em um baile de dança de salão. O que eu vou contar agora não só definiu muita coisa da minha vida como também explica o nome deste blog. Prepare-se para um texto longo e uma história digna de uma mesa de bar…

A primeira vez que eu vi uma dança das danças de salão na minha vida foi em 2007, eu estava no segundo ano do ensino médio no finado Colégio Zênite. Em uma apresentação dessas de colégio cujo o contexto eu já esqueci faz tempo, uma aluna chamada Jéssica Sodré apresentou uma coreografia com um cara que até então eu não fazia ideia de quem era. No palco anunciaram que ela dançaria o Zouk (lembro que usaram o artigo definido). Foi a primeira vez que vi Zouk na minha vida, e o meu coração só faltou sair pela boca. Foi tesão a primeira vista. Foi só eles descerem do palco que eu voei em cima deles. A Jéssica então me apresentou ao cara que era seu professor. Ele me explicou um pouco do contexto em que o Zouk estava inserido, me falou sobre dança de salão, falou que era professor, e disse que morava no Henrique Jorge, curiosamente eu também morava lá nessa época. Peguei todos os seus contatos, seu nome era Diego Borges e dava aula em uma escola bem perto da minha casa, o Colégio Brasileirinho (hoje chamado Colégio Brasil). A decisão de começar a fazer dança de salão foi tomada naquele dia, só que logo chegou o terceiro ano, ficou praticamente impossível começar a fazer alguma atividade em 2008 e os planos de começar na dança de salão ficaram para 2009.

Em fevereiro de 2009 eu comecei a fazer aula com o Diego no Colégio Brasileirinho. Não demorou muito até ele me falar sobre um projeto da UFC chamado Dançar Faz Bem e que talvez eu fosse gostar. No início de março, fui para o aulão de abertura do semestre do Dançar Faz Bem, da mesma forma que os meus olhos brilharam quando vi Zouk pela primeira vez, o meu coração foi transpassado por aquele projeto. Foi quando eu descobri a comunidade da dança de salão em Fortaleza. Foi quando eu entendi que a dança de salão é uma comunidade.

No dia 15 de março de 2009, realizava-se no segundo andar do Chop do Bexiga o Baile da Bachata, organizado pela Aline Paixão,  na época professora do Dançar Faz Bem. Lembro que a própria Aline deu um aulão de bachata naquele dia, na primeira hora do baile. Nessa época os bailes no Bexiga tradicionalmente aconteciam das 18:00 as 00:00, e em algum momento da noite, quase sempre por volta das 22:00 acontecia alguma apresentação. Nessa noite houveram duas apresentações, Ricardo Alves e Débora Bezerra apresentaram uma coreografia com a música Solito da banda Toque De Keda, Diego Borges e a Jéssica Pacheco apresentaram uma encenação/coreografia com a música Te Extraño da banda Xtreme. Por algum motivo ou força obscura do universo, ainda perdura no youtube o registro da apresentação do Diego e da Jéssica:

O ano de 2009 foi mágico, eu tinha passado no vestibular para o curso de Administração na UFC e só começaria no segundo semestre daquele ano. O que significa que o primeiro semestre daquele ano foi inteiramente dedicado a dança. Eu sai das aulas com o Diego no Brasileirinho e comecei a fazer duas turmas no Dançar Faz Bem, uma na terça e quinta a noite, sendo a primeira das 19 as 20 de ritmos variados e a segunda só de roda de cassino das 20 as 21 (anos mais tarde eu fui descobrir que roda de cassino não é sequer um ritmo, mas isso é assunto pra outra postagem). Aos sábados eu aparecia nas aulas do Dançar Faz Bem pra ficar pentelhando, eu não tinha dinheiro pra fazer 3 turmas. Nessa época as aulas do Dançar Faz Bem aconteciam na sala dos espelhos na Faculdade de Educação lá o Centro de Humanidades. Aqui já podemos começar a falar de problemas, porque a vida não é só flores não é mesmo? Eu tinha acabado de entrar na faculdade mas ainda não tinha começado a cursar. Vinha de uma família paupérrima. Mal tinha dinheiro pra pagar essas turmas que eu fazia. Sempre que eu ia aos bailes eu ia só com o dinheiro da entrada e das passagens, quando ficava com sede eu ia no banheiro, fingia que ia lavar o rosto e bebia água da torneira. Isso se repetiu no decorrer daquele ano, pois só iria conseguir trabalho no ano seguinte. Mas de verdade, eu não me importava com isso, eu estava sendo feliz.

Em 2010 as coisas mudaram um pouco, comecei a trabalhar no IBGE, no censo demográfico que teve naquele ano. Começou a entrar algum dinheiro. Pelo menos água da torneira eu não ia beber mais. Por entrar mais dinheiro, comecei também a fazer aulas em outros lugares e conhecer outros professores. Nesse ano eu fiz amizades que me fazem encher os olhos d’água só de lembrar, pessoas incríveis com quem eu ia compartilhar momentos maravilhosos. Vínculos fortes assim costumam dar frutos, e nesse ano nós geramos um fruto, uma coreografia de grupo que foi apresentada no Sun City Swing daquele ano:

E essa mesma coreografia foi apresentada em uma baile no Bexiga, situação que gerou uma das fotos que eu mais gosto no contexto da dança até hoje:

 

Mas a vida… Ah! A vida! kkkkk

Embora eu estivesse vivendo momentos incríveis na dança, as outras áreas da minha vida iam mal. Na verdade iam péssimas…

Nesse ano eu já havia percebido que o curso de administração não era pra mim, queria mudar de curso e ter que continuar na administração me angustiava muito. Em casa a convivência com a minha família só piorava, por motivos que são suficientes pra gerar um outros texto só pra falar disso. A vida amorosa também tava coisada. Em outras palavras tudo ia mal, e por isso eu me apaguei a da dança de salão com todas as forças. A dança era a única coisa que me trazia algum tipo de felicidade. Transformei a dança em muleta, e no ano seguinte eu iria descobrir que isso foi a pior coisa que eu poderia ter feito.

Eu costumo dizer que 2011 foi o pior ano da minha vida. Mais ou menos em final de janeiro ou início de fevereiro, não lembro ao certo, foi a vez da minha vida amorosa se esculhambar de vez. Claro que nesse texto não poderia faltar uma paixão intensa por alguém da dança e que no final deu merda. Se você está na dança a muito tempo isso já aconteceu com você, invariavelmente. Ela era linda, ela era inteligente, ela era educada, ela era carinhosa, ela pertencia a uma classe social muito acima da minha e por algum motivo sobrenatural ou alinhamento bizarro dos planetas ela resolveu olhar pra mim. Ficamos. Durante um mês mais ou menos. Talvez um pouco mais do que isso. Foi o suficiente pra eu ficar arriado os 4 pneus, perdidamente apaixonado.

Existe uma trama digna de novela da Globo ao redor desse romance. Traições, amizades falsas, difamação, mentiras e por aí vai. Mas o ponto onde quero chegar, foi algo que essa pessoa em questão me disse em uma das discussões. Ela disse que eu era um barco furado…

Eu costumava dizer que esse foi o maior insulto que eu já recebi na minha vida. Eu fui tomado por todo tipo de sentimentos e sensações ruins depois disso, não confiava em mais ninguém, não queria mais sair de casa, desacreditei no amor. Sabe o que mais ficava na minha cabeça? Que um barco furado não importa pra onde ele vai ou o que ele faça, ele vai sempre afundar. Eu nem sei dizer quanto tempo eu passei com essa sensação, de que eu era um barco furado. Não preciso nem dizer que durante algum tempo eu odiei a pessoa que disse isso com todas as forças. Com o tempo eu deixei de odiá-la, mas não esqueci o barco. Deixou de ser algo dela para mim, e passou a ser algo de mim para mim mesmo. Mas sabe o que é pior? É que naquele momento da minha vida eu estava mesmo afundando, se em 2010 todas as áreas da minha vida mostravam sinais de que não estavam bem, em 2011 tudo foi de mal a pior. Tudo! Família, relacionamentos, faculdade, trabalho. E a única coisa que me trazia alguma felicidade também se perdeu, eu não confiava mais nas pessoas da dança, na verdade eu não confiava em mais ninguém.

(Foto que eu tirei em um ônibus de Fortaleza)

Nesse tempo houveram duas pessoas que literalmente me colocaram no colo, enxugaram as minhas lágrimas e passaram a mão na minha cabeça. Ivna Ferreira e Juliana Loyola, fica aqui registrado o meu mais sincero obrigado por terem me acolhido nesses tempos. Vocês são muito importantes pra mim.

Sufocante, não? Eu teria enlouquecido se eu não tivesse aprendido que a tristeza amplia a conexão com a serenidade, e eu soube aproveitar isso muito bem. E com o tempo eu também aprendi que felicidade em excesso é alienativa. Eu não sei se o que eu tive nesse tempo foi algo como uma depressão, mas eu continuei caminhando. Precisava me refazer. Nesse ano de 2011 eu me inscrevi no ENEM, tentaria pela segunda vez mudar de curso, uma esperança na qual eu me agarrava. Houve mais uma coisa importante nesse ano também. Um belo dia o Danilo Batista me convida pra uma conversa, Dirceu Santos também estava lá. Danilo falou  que tinha um plano e que queria executar. No segundo semestre daquele ano começamos as atividades do Don Danilo, lá no Seminário da Prainha, a semente de algo que se tornaria um projeto bem maior que surgiria mais na frente.

Finalmente chegamos ao ano de 2012 de nosso senhor Jesus Cristo. Ano que começou com um grande respiro. Eu consegui finalmente mudar de curso, passei pra Sistemas e Mídias Digitais na UFC! \o/ Isso realmente foi um grande respiro pra mim. Foi o início da minha retomada de controle da minha vida. E não foi só isso de bom que aconteceu não. O projeto Don Danilo deixou de existir pra dar lugar a outra coisa. Algo que teria uma grande importância na minha vida nos anos seguintes.

No Salto eu me reergui, no Salto eu cresci, no Salto eu me fortaleci. O Salto Coletivo de Dança, que comumente chamamos apenas de Salto, foi um projeto de Dança de Salão capitaneado pelo Danilo Batista. Nele passaram vários professores de dança de salão de Fortaleza (inclusive eu) e tivemos uma quantidade impressionante de alunos. Foram anos de tardes maravilhosas de muita dança as sábados no seminário da prainha.

Em 2013 eu conheci a melhor parceira de bachata que tive até hoje.

Seria injusto falar da minha história na dança de salão sem falar da Priscila, embora a gente não se fale mais hoje em dia, isso não muda o fato de que ela foi a melhor parceira de bachata que já tive.

2013 e 2014 foram anos mágicos para o Salto, não sei dizer ao certo quantos alunos tivemos, mas foram muitos. Conheci pessoas maravilhosas nesse tempo.

Se você chegou até aqui você já percebeu que a minha história na dança de salão se entrelaça com a minha história de vida de um modo geral. Em 2014 eu sai do Henrique Jorge e fui morar no Montenegro I, lá pras bandas do José Walter, esse foi outro fato que influenciou bastante na reconstrução desse barco.

Em 2015 acredito que o Salto realizou o seu maior feito dentro da dança de salão.

Um dos textos de divulgação feitos por mim dizia assim:

“Fortaleza vive uma expressiva ampliação em seu público praticante e apreciador de Dança. Dentre as várias linguagens de Dança que configuram esse momento de expansão, a Dança de Salão encontra-se em um papel de destaque nesse contexto. Logo, surge a necessidade de um espaço onde o público da Dança de Salão possa interagir, debater e reciclar seus fundamentos e técnicas. Um local que também possa abrir as portas para a troca de experiências com dançarinos de outras cidades e países. Tendo em vista este cenário, Fortaleza agora recebe nada menos que o Salto Dance Congress, evento onde viveremos e celebraremos nossos anseios artísticos dentro da Dança de Salão.”

Aqui um pouco dos bastidores do evento:

(Há boatos de que sou eu nesse vídeo, mas nunca foi confirmado)

Esse evento não foi nada menos que inacreditável. Só quem foi mesmo pra saber o que eu to falando.

No segundo semestre de 2015 o Salto passou a funcionar em dois locais, em uma casa alugada no Parque Araxá e no Seminário da Prainha. Nesse semestre eu parei de dar aula aos sábados a tarde e comecei uma rotina de ensaios intensos com a Jackelyne Maciel, que se tornaria minha parceira de dança dali em diante.

Em 2016 o Salto se muda completamente para a casa alugada no Parque Araxá. Foi um período difícil para o Salto. As contas não estavam batendo. As minhas outras demandas profissionais cada vez mais exigindo minha atenção e concentração. Mais ou menos no meio desse ano eu sai do Salto para seguir outros caminhos, e no final daquele mesmo ano o Salto encerra as suas atividades.

Eu considero que a minha vida ativa na dança de salão terminou junto com o fim do Salto. Embora eu tenha dado algumas aulas esporádicas no projeto Dançar é Lazer até o fim de 2017, não consegui mais estar ativo como antes, talvez nunca mais estarei.

Se tratando de linha do tempo, essa história termina aqui. Mas no que diz respeito a aprendizagens, experiências, amizades e tudo mais, essa história jamais vai ter fim.

Tem muita coisa que não está nesse texto. Vários professores que tive, workshops que fiz, paixões vividas. Coisa pra caramba, mas eu tive que resumir porque se não ninguém teria saco de ler esse texto até o fim.

Existem muitos post scriptum para serem colocados nessa postagem. Vários nomes que fizeram parte da minha história na Dança de Salão e que não foram citados no decorrer do texto. E já que vou elencar nomes vou aproveitar pra fazer alguns agradecimentos.

Luis Paulo (Lpinho), Thalles Gothardo, Danilo Batista, Diego Lehder, Belquior Gonçalves, Neto Aragão, Maciel Melo, Beto Ferreira, Dirceu dos Santos, Thiago Beppe, Jamily Almeida, Hanna Freitas, Vládia Freitas, Isadora Catunda, Edith Teles e Manu Pelario, obrigado por toda a camaradagem e as maravilhosas gargalhadas que já demos juntos.

Priscila Costa, obrigado pela parceria.

Toda a equipe da Omí Cia de Dança, obrigado por terem me feito evoluir tanto como dançarino como pessoa.

Flávia Emanuela, obrigado pelo companheirismo.

Jackelyne Maciel, obrigado pelos ensaios transcendentais que tivemos.

Ivna Ferreira e Juliana Loiola, obrigado por terem sido meus anjos da guarda.

Aline Herculano, obrigado por todos os maravilhosos zouks que dançamos e que ainda hoje sinto saudade.

Ana Lídia, obrigado pela amizade sempre tão zelosa.

Emanuelle Janebeli, obrigado pelos aprendizados e pelo socorro prestado nas horas devidas.

Monick Lima, obrigado por um dos momentos mais glamorosos que já tive na dança de salão.

Eder Soares, obrigado por ter me feito entender o valor e a importância da dor.

Fabrícia Diniz, obrigado por você existir na minha vida.

Todos os meus ex-alunos, obrigado pela confiança e pela troca de experiências que tivemos.

Caso alguém tenha interesse, esse aqui é o canal onde eu coloco as minhas coisas de dança.

E pra finalizar, uma galeria de fotinhas para ilustrar esse histórico:

 

3 Comments

  1. Menino, cada texto tem sido uma revelação de vida viu! Fico feliz de participar da sua até hoje porque também dividi com você muitas coisas. O olho chega encheu de lágrimas aqui porque entrei na sua história a partir de 2014 e você compartilhou comigo muita coisa da dança. Sou muito grata a você e a Priscila por tudo que me ensinaram e pelo muito que dividimos em conversas. Beijo grande.

  2. Felipinho, você é uma das melhores pessoas que conheci na vida! A dança me proporcionou isso de forma generosa: conhecer pessoas que quero levar comigo para o resto da vida.
    É sempre uma alegria te encontrar por aí, receber o teu abraço apertado e conversar sobre as coisas da vida.

    Deixo aqui registrado duas coisas importantíssimas:
    1) tô feliz demais por ter sido mencionada aqui;
    2) aqui em casa, todos temos um imenso carinho por você, não esqueça disso!

  3. Achei maravilhoso! Muitas histórias mesmo e como é bom ver seu crescimento e amadurecimento! Adoro você, Felipe! E eu não esqueço que foi você que me apresentou a dança! Uma paixão que eu não esqueço e espero voltar a dançar. Muito obrigada! ;*

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