Zyprexa é um dos remédios usados no tratamento para esquizofrenia. A wikipédia diz o seguinte sobre essa condição “Esquizofrenia é uma perturbação mental caracterizada por comportamento social fora do normal e incapacidade de distinguir o que é ou não real. Entre os sintomas mais comuns estão delírios, pensamento confuso ou pouco claro, alucinações auditivas, diminuição da interação social e da expressão de emoções e falta de motivação. As pessoas com esquizofrenia apresentam muitas vezes outros problemas de saúde mental, como perturbações de ansiedade, depressão ou perturbação por abuso de substâncias. Os sintomas geralmente manifestam-se de forma gradual, desde o início da idade adulta, e permanecem durante um longo período de tempo.”
Sempre achei estranho que alguém com uma condição tão delicada possa ser tratado com um medicamento cujas reações adversas são tão absurdas, às vezes até medonhas. Para um paciente que pode passar anos, às vezes décadas tomando a mesma medicação, é quase certo que algum desses efeitos colaterais aparecerão em algum momento. Há ainda o agravante, conforme apresentado na descrição da wikipédia, que a condição esquizo nunca vem só, ela quase sempre está acompanhada de outros transtornos. Eu conheci uma pessoa que foi diagnosticada com esquizofrenia, depressão e síndrome do pânico. Alguém que convivi durante 20 anos, e é sobre isso que eu gostaria de falar hoje.
Chamaremos essa pessoa apenas de senhor F. Tenho muito o que falar sobre ele, mas não sei exatamente por onde começar. É mais de 30 anos mais velho do que eu, magro e branco. Sua personalidade costumava ter variações brutais, às vezes extremamente agitado e agressivo e às vezes com medo da própria sombra, e já faz alguns anos que essa última variação predomina. Acho que a única coisa no mundo que ele tem uma boa relação é com a música, todo o resto, pessoas ou coisas, é problemático, para dizer o mínimo.
É impossível falar do senhor F sem falar da relação que tem com a sua mãe, que atualmente é uma senhora com mais de 90 anos. A síndrome do pânico impede o senhor F de ficar em qualquer cômodo sozinho, e algumas atividades ele só consegue fazer na presença da mãe, incluindo beber água, escovar os dentes, fazer xixi e cocô. Higiene pessoal também é um assunto delicado, as vezes senhor F passa dias sem tomar banho, chegando ao ponto de criar caspa no rosto. Por algum motivo ele gosta muito de escovar os dentes, deve fazer isso umas vinte vezes ao dia, talvez mais.
Outra peculiaridade do senhor F é o seu toc com portas da casa onde ele mora. Sempre que ele está em um cômodo, a porta deve estar aberta, mas todos os outros devem estar com a porta fechada. Se ele estiver em um corredor com várias portas abertas, ele sempre vai tentar fechar todas antes de entrar no cômodo que ele vai ficar. Mesmo quando vai fazer as suas necessidades, a porta do banheiro tem que estar aberta, sempre aberta e com a mãe dele o observando. Essa é uma cena muito forte nas minhas lembranças, virou meio que um símbolo desse folclore da vida real que é essa casa. Se alguém pergunta qual é a treta com as portas ele fica calado, mas se insistir na pergunta, ele diz que é porque vê coisas saindo da porta. Agora some isso ao fato de que na década de 70 houve um assassinato nesta casa, e seu cérebro vai começar a fazer associações indesejáveis. Uma casa antiga, com um histórico indesejável e uma pessoa que vê coisas, mas calma que esse caldo ainda vai engrossar.
É impossível falar do senhor F sem falar do seu objeto mágico. Um espelho circular mais ou menos do tamanho de um punho fechado e sem cabo. Esse é outro importante conceito que forma essa mitologia. Senhor F e seu espelho são inseparáveis. Não adianta esconder. Eu já tentei. Ele tem um estoque infinito desses espelhos. Em minutos ele já está com outro. Ele não tem apego a um espelho específico, o lance dele é estar com um espelho na mão. Tendo isto em mãos, ele passa às vezes horas se olhando no espelho, às vezes sem dizer nada, mas às vezes perguntando ininterruptamente o que são aquelas coisas no rosto dele. Obviamente só ele vê essas coisas.
O próximo importante conceito que compõe essa história são os sons. Senhor F é um exímio apreciador de música. Tinha uma coleção enorme de CDs, mas que infelizmente foi se perdendo com o tempo. Quando eu era mais novo, antes do boom da internet, toda vez que começa a tocar uma música na rádio e eu não sabia o nome, eu pegava o rádio saia correndo e perguntava: “Senhor F, senhor F, qual é o nome dessa música?”. Ele sempre dizia o nome da música na lata, não importava se era nacional ou internacional e não raro dava também uma pequena ficha técnica da música. Ano de lançamento, nome da banda e se fez parte de alguma trilha sonora das novelas da globo. Assim deu-se início a minha formação musical, com um Shazam humano. Quando em uma boa fase, senhor F costumava ir no centro e comprar cds na loja Tok Discos na Praça do Ferreira. Às vezes comprava um cd só por causa de uma única música, pra fazer as suas playlists, comprava fitas k7 e gravava com as músicas que queria alternando os cds. Era extremamente dedicado a essa atividade, era o seu principal hobby. Possuía pilhas e mais pilhas dessas fitas gravadas por ele que também foram se perdendo com o tempo.
Em algumas fases mais conturbadas, era possível ver o senhor F com o aparelho de som tocando uma de suas fitas a todo volume e com a televisão também ligada a todo volume. Se alguém pedisse pra desligar algum dos aparelhos ele se incomodava. Dizia que estava assistindo a tv e ouvindo o som. Nas fases mais introspectivas e quietas, senhor F se incomoda até com o barulho de pisadas pela casa. Já faz um certo tempo que ele está preso nessa fase.
Até aqui é provável que você esteja com muita pena do senhor F, e talvez esteja estranhando o meu tom ligeiramente irônico e cínico ao contar essa história, mas me permita pinçar da memória alguns causos mais concretos para que fique mais claro o que é conviver com alguém tão instável.
Um dia senhor F bateu na porta do quarto de uma de suas irmãs, mais ou menos as 5 da manhã. Estava agitado, disse que precisava de R$ 10,00 para pagar uma prostituta que estava esperando pelo pagamento na sala da casa. Ela pensou que fosse mais um de seus delírios, ele insistiu. Quando chegou na sala, lá estava a tal mulher, de pés descalços e sujos, sentada em uma cadeira esperando. A irmã do senhor F acordou o marido, que foi até a sala tomar parte da situação. Ele explicou a mulher que ele era doente mental, não sabia o que fazia. Ela insistiu que não iria embora sem o pagamento, a irmã do senhor F ameaçou chamar a polícia. A mulher então disse que poderia chamar a polícia pois ela era de menor. Rapidamente arranjaram os R$ 10,00. A tal mulher nunca mais foi vista.
Em uma outra ocasião, o vizinho bateu na porta da casa, ameaçando de morte o senhor F. O ocorrido foi, o vizinho estava saindo sozinho de casa por volta de meio dia e meia, horário que normalmente não tinha ninguém na rua. O senhor F, estava na calçada do outro lado da rua bem em frente a casa do vizinho. Uma outra mulher desconhecida estava fazendo sexo oral nele, no meio da rua mesmo. O vizinho então tinha duas filhas pequenas, deixou claro para os familiares do senhor F que se uma das filhas dele presenciacem alguma das presepadas do senhor F ele iria partir pra cima para matar.
Vi o Senhor F passar por muitas fases, às vezes muito agressivo, às vezes com uma bizarra ausência de pudor, às vezes extremamente reflexivo, às vezes atormentado por coisas que só ele via e às vezes mais de um desses estados ao mesmo tempo. Lembro de uma vez que eu fui até o seu quarto, ele estava sentado na cama e ouvindo música sozinho, uma música internacional romântica, seu gênero preferido. Minha memória não é boa o suficiente para lembrar exatamente qual era a música. Eu sentei na cama perto dele, ele então disse que naquele dia estava fazendo 50 anos. Ninguém tinha ligado pra isso, nem sua mãe nem suas irmãs nem ninguém da família. Senhor F estava só nos seus 50 anos, eu por um acaso passei por ali e lhe fiz companhia. Às vezes acho que durante algum tempo eu fui o único amigo que o senhor F tinha, mas já faz muito tempo que a única coisa que consigo sentir por ele é um completa indiferença. Não me leve a mal, mas eu passei toda a minha infância, adolescência e início da vida adulta convivendo com o senhor F. Costumo de dizer que quando se convive por muito tempo com alguém que tenha esse nível de instabilidade mental, chega uma hora que você não quer mais internar o paciente, e sim se internar. Porque ela vai te enlouquecendo junto aos poucos, invariavelmente.
Obviamente o que estou narrando aqui é só um recorte. Foram 20 anos de convivência com o senhor F, existe um emaranhado gigantesco de variáveis nessa histórica que não cabe em uma única postagem de blog. Passei por todo tipo de emoção e sentimentos que você possa imaginar, variando do extremo pesar e pena por sua condição até o desejo de sua morte. Vi coisas que faria a maioria das pessoas que conheço simplesmente sair correndo chorando. Eu já narrei aqui que em um período da minha vida nada se encaixava, uma das peças mal encaixadas era a convivência dentro de casa, acredito que nessas alturas eu já tenha dado argumentos suficientes para justificar o por que.
Atualmente, o senhor F está cada vez mais vegetativo, corpo e mente cada vez mais devastados pelos remédios e pelos seus transtornos. Não raro é possível encontrá-lo no fundo de uma rede, agonizando e pedindo por tudo no mundo para morrer. Dei graças a Deus quando saí daquela casa em 2014. Não queira saber o que é crescer com a loucura dormindo literalmente do seu lado. Durante muito tempo o maior medo da minha vida era me tornar o senhor F, medo de enlouquecer, ou de simplesmente ficar naquele estado. Esse medo nunca foi embora completamente, mas já está bem mais controlado. Não há uma forma alegre e otimista de encerrar esse texto. Não tenho porque fazer qualquer coisa que se aproxime de uma romantização dessa história.
Las comorbilidades psiquiatricas son comunes entre los pacientes con esquizofrenia. Predominan el abuso de sustancias (alcohol o drogas ilegales), la depresion y los trastornos de ansiedad, entre los que figuran el trastorno de panico, el trastorno por estres postraumatico y el trastorno obsesivo-compulsivo (TOC). Un numero limitado de estudios apoya la posibilidad de que los trastornos de ansiedad formen parte de la esquizofrenia, con la mayor evidencia sobre el TOC.