E.L.A

“Água, 35 litros. Carbono, 20 kg. Amônia, 4 litros. Cal, 1,5 kg. Fósforo, 800 g. Sais, 250 g. Salitre, 100 g. Enxofre, 80 g. Flúor, 1,5 g. Ferro, 5 g. Silício, 3 g. E outros quinze elementos em pequenas quantidades. Todos esses elementos fazem um corpo humano adulto. Esses ingredientes podem ser comprados em um mercado com a mesada de uma criança. Seres humanos são tão baratos.” – Edward Elric – Fullmetal Alchemist.

Um dos pilares da ciência moderna é explicar os fundamentos da criação de todas as coisas, procurando a verdade através de métodos replicáveis. Uma dessas coisas se chama ser humano. Desde o início da ciência moderna cientistas vêm pesquisando a composição de um ser humano. Dissecando-o. Analisando-o. E claro, muitas vezes violentando-o. 

Podemos definir engenharia como o uso intencional da ciência na construção de engenhos. Algo muito característico da modernidade e indissociável da ciência moderna. E se a ciência decompõe um corpo, é claro que a engenharia pode tentar engenheirar um. 

Ontem eu fui ao teatro e vi algo que parece ser uma processo de investigação sobre essa tentativa de dissecação, análise e construção de um corpo.

E.L.A é um monólogo da atriz, diretora e agitadora cultural Jéssica Teixeira. Esse é daqueles trabalhos que é impossível desassociar a obra do seu autor. É possível ver uma investigação histórica sobre o que compõe um corpo e o que é um corpo aceitável, mas logo vemos que isso é uma pavimentação que Jéssica constrói na tentativa de entender o próprio corpo. Aqui já temos que eu acredito ser um dos pilares dessa apresentação. Jéssica não esconde que buscou entender o próprio corpo e tentou entender a si mesma de forma separada. Em um dado momento ela fala que a psicanálise a ajudou a perceber que ela se referia ao próprio corpo como “ele”. Um espécie de tentativa de se separar do corpo e dizer, “eu não sou isso aqui não, isso é só o corpo”.

Jéssica brinca de forma propositalmente cínica não só com os preceitos científicos do que compõe um corpo, como também dos signos e construções sociais de corpo, gênero e minorias.  Sem ignorar os contextos políticos. Como diz Wislawa Szymborska:

“Querendo ou não querendo,

teus genes têm um passado político,

tua pele, um matiz político,

teus olhos, um aspecto político.” 

– Filhos da época –

Se o que é chamado de “ele” é o corpo, o que é chamado de “ela” parece ter ficado com a responsabilidade de designar o que podemos chamar de alma. E.L.A sugere uma pavimentação do caminho para o encontro do corpo com a alma, e finalmente juntar tudo em uma coisa só. Ou pelo menos é assim que sinto. 

E.L.A está em cartaz no Teatro Universitário todas as quintas de agosto às 20hs.R$ 20,00 a inteira e R$ 10,00 a meia.

P.S.: Aos amigos homens, se você assistir e não sentir pelo menos um pouco de culpa no final, sugiro voltar e ver de novo, pois você viu errado.

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