Dia dos finados

Cresci vendo minha mãe ir ao cemitério nesta data. Desde que eu nasci, o único ano que ela não foi, foi ano passado, por conta da pandemia. Cheguei a acompanhá-la neste ritual até o início da adolescência mais ou menos, mas não me recordo de ter ido alguma vez desde então.  Hoje, eu, minha mãe e minha irmã fomos ao cemitério.

No cemitério Parque da Paz, há um jazigo que pertence ao meu avô. Antes do meu tio Neto morrer, havia 4 pessoas enterradas lá, meu tio José Nilton, meu avô Firmo, um irmão e uma irmã da minha da minha avó, estes já exumados e todos do lado materno da minha família. No dia 4 de junho deste ano, meu tio Neto se foi, e se enterrou neste mesmo jazigo no mesmo dia de sua morte. No dia 3 de julho, foi a vez do meu pai fazer sua passagem, ele foi enterrado também neste mesmo jazigo no dia seguinte a sua morte. Algumas pessoas estão chegando agora aqui nos meus textos, caso alguém queira entender o que aconteceu nesses dias e/ou revisitar os meus textos sobre este assunto, eu criei uma categoria “luto” aqui no blog (isso por sí só já é muito maluco para mim), então é só clicar aqui para ver os textos relacionados a esse assunto. 

Quando alguém morre, o corpo passa imediatamente a ser matéria orgânica em decomposição. Fui ao cemitério hoje, mas sei que o meu pai e o meu tio não estão lá. Eles estão em lugar nenhum, ou em todo lugar, ou em um lugar melhor do que este, mas ali naquele jazigo há apenas matéria orgânica em decomposição. Ainda assim, estar ali é muito estranho. A poucos metros abaixo de onde pisamos, está o corpo do meu pai, era esse corpo que eu beijava a cabeça todas as manhãs, foi esse corpo que me pegou nos braços quando eu era pequeno, foi este corpo que eu segurei a mão quando ele estava no leito da UTI. Eu não sei do que eu estou guardando lembranças, se do meu pai, que agora é algo imaterial, uma ideia, um conceito, ou se é daquele corpo que está ali enterrado. Eu sei, é confuso, mas é o tipo de pensamento que o luto trás. A morte sempre traz questionamentos estranhos.

Amanhã faz 4 meses que o meu pai deixou este plano e no dia seguinte fará 4 meses que ele foi enterrado. Aqui e acolá alguém pergunta como estou. Essa sempre é uma pergunta complicada de responder e até certo ponto até desagradável de responder, embora eu entenda a preocupação de quem pergunta. O fato é que eu estou bem sim, mas com ressalvas que quase automaticamente já colocam esse suposto estado de bem estar em cheque. Já faz quase dois meses que durmo com auxílio de medicamentos. Isso não é estar bem, embora eu esteja de fato bem melhor do que no mês passado, melhor do que no mês retrasado e melhor do que no mês anterior ao mês retrasado. Quando se está de luto parece que existe sempre uma ressalva para o estado de bem estar. É como se os bons sentimentos fossem uma barrinha que varia de 0 a 100, mas o luto não deixa ir até o 100. Você pode ficar alegre, mas nunca 100%. Feliz, mas nunca 100%. Animado, mas nunca 100%. Você pode até pensar, “hoje está sendo um bom dia”, mas aí você lembra, “mas ele não está mais aqui, então não é um dia tão bom assim”. 

É comum as pessoas falarem que agora meu pai está em um lugar melhor e que um dia todos vamos nos reencontrar. Fico pensando, se isso for mesmo verdade, quanto tempo vou levar para reencontrá-lo? Estou com 30, se eu viver até onde meu pai viveu, vai levar 37 anos para eu reencontrá-lo, é mais tempo do que eu tenho de vida hoje. E se acontecer de eu viver até os 100? Sei que não é saudável e nem faz sentido ficar fazendo esses cálculos, mas como falei, o luto faz os pensamentos percorrerem caminhos estranhos.

De vez em quando ainda vem alguns flashs na minha cabeça da imagem do meu pai na UTI, dos sons dos aparelhos, da carga emocional brutal de ficar esperando pela ligação dos boletins médicos. Foi tudo muito traumático. Aqui em casa ainda estamos no processo de superar esse trauma, mas estamos sim melhor do que nos meses anteriores. Sei que não há o que se fazer a não ser esperar o tempo passar, mas continuo registrando esse processo, escrever esses textos sempre foram uma forma de terapia para mim, uma forma de botar tudo para fora. Hoje pareceu ser um dia propício para isso.

One Comment

  1. Não sei o que falar, apenas que você siga cada dia um pouquinho melhor, mesmo que não seja 100%. Eu tenho pensamentos parecidos sobre a morte.

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