Amigo de infância

Estudei com Felipe do maternal ao 9° ano. Nós não éramos tão próximos, mas o fato de termos crescido juntos no contexto da escola sempre me fez ter um certo carinho por ele. Tem várias pessoas da minha época de escola que mantenho esse sentimento, embora eu tenha perdido completamente o contato com a maioria. Vez ou outra me pego pensando sobre como essas pessoas estão hoje, que tipo de pessoa elas se tornaram. Será que são progressistas? Será que viraram conservadoras ou reacionárias? Às vezes tenho medo de encontrar velhos amigos na rua e descobrir que hoje são reacionários. Um triste sentimento que me acompanha desde 2018.

Várias das minhas amizades antigas acabaram por uma triste constatação, a amizade existia por conta do que tínhamos sido um dia, mas atualmente, eu me fazia a seguinte pergunta, “se eu conhecesse essa pessoa hoje, eu me tornaria amigo dela?” Várias dessas amizades antigas mudaram tanto, especialmente os que acabaram enveredando pelo conservadorismo, que a resposta era “não, se eu conhecesse essa pessoa hoje, nós jamais seríamos amigas” , quando chegava a essa conclusão, eu deliberadamente me afastava, era o melhor para a minha saúde mental.

Voltando ao Felipe, Tito havia me mandado um artigo em um blog, o texto era sobre um cara relatando sua experiência em dar o cu para a namorada, pedi para que Tito me mostrasse quem era e então tive a feliz surpresa de que era o Felipe. No mesmo dia li vários textos do blog dele. Ele aparentava ter se tornado uma pessoa muito legal, super progressista, alguém que eu gostaria de reencontrar e me tornar amigo.

Adicionei ele nas redes sociais e logo estávamos conversando bastante. Até que ele me chamou para ir na casa dele tomar um café. Fiquei nervosíssimo com o convite, mas ao mesmo tempo muito feliz. No dia combinado, ele me recebeu com um abraço bem apertado e super carinhoso. A mãe dele é uma fofa, fez café e bolo, tudo muito gostoso. A casa era um duplex, depois do café ele me chamou para subir para o quarto dele. 

O quarto era uma espécie de refúgio nerd. Vários posters espalhados pelas paredes, uma coleção gigantesca de quadrinhos e livros, várias actions figures, videogame, TV enorme e home theater. 

Ele passou um bom tempo me mostrando tudo, sempre contextualizando cada coisa que me mostrava. Ele havia se tornado uma pessoa com uma bagagem cultural incrível. Passado esse momento, fomos jogar videogame. Sentei em uma poltrona super confortável, essa poltrona juntamente com a TV e o hometheater, criavam uma verdadeira experiência de cinema. Passamos por vários jogos da nossa época de adolescente e mais alguns atuais.

 – Mas e aí Iago? Tudo bem contigo? – Felipe perguntou sem perder a atenção do jogo que estávamos jogando juntos.

 – Tudo é muita coisa. – Respondi de imediato. 

 – Que resposta maravilhosa! Vou adotar. – Ele parou o jogo por um instante só para olhar para mim e falar isso, voltando ao jogo logo em seguida. Ri um pouco da atitude dele.

 – E o blog? – Perguntei alguns instantes depois de silêncio e concentração no jogo.

 – Você gostou?

 – Adorei! Li vários textos.

 – Massa! Curioso que a gente se reencontrou justamente por causa do texto que eu falo sobre dar o cu pra minha namorada.

 – Sim, e que texto hein? – Felipe apenas riu.

Passamos mais algum tempo jogando em silêncio até que puxei assunto novamente.

 – Posso te perguntar uma coisa?

 – Claro.

 – Tu fica com meninos também?

 – Tive algumas poucas experiências com meninos. – Ele respondeu ao mesmo tempo que sorria de forma singela.

Passamos mais um bom tempo jogando videogame, alternando entre vários jogos, até que um novo assunto se iniciou.

 – Eu vi vários vídeos de você dançando.

 – O que você achou?

 – Eu adorei.

 – Teve algum que te chamou mais atenção?

 – Teve sim.

Peguei o celular e mostrei a ele o vídeo que mais me chamou atenção.

 – Isso é kizomba.

 – Eu amei.

 – Quer ouvir mais músicas de kizomba?

 – Quero sim.

Como já estávamos enjoando dos jogos, pareceu um bom momento para arranjar alguma outra atividade. Felipe me explicou várias coisas sobre kizomba, me apresentou a várias músicas do gênero e mostrou vários vídeos de pessoas dançando.

 – Tu quer aprender?

 – Como assim?

 – Se tu quiser eu te ensino a base.

 – Agora?

 – Sim, agora.

Começamos uma aula improvisada em um espaço improvisado dentro do quarto dele, que apesar de ser grande, acabava se tornando pequeno por conta dos móveis. Rapidamente ele me mostrou conceitos de postura, tempo musical, rebolado e até sobre ter mais consciência de como o pé tocava o chão. Não demorou muito para que eu começasse a sentir uma energia diferente.

Depois de ter explicado vários conceitos, começamos a praticar, dançamos várias músicas seguidas e o que se seguiu é até hoje muito difícil para mim de descrever. Eu realmente senti uma espécie de alteração de estado de consciência através daquelas músicas e daquela dança a dois. Como se a interação dos nossos corpos evocasse uma ancestralidade que eu não sabia que tinha. Um instinto de dança e uma intimidade de contato que sempre fez parte do meu corpo, mas que estava adormecido.

Eventualmente saíamos do abraço da dança para que ele escolhesse alguma música específica, nesse momento eu voltava a mim, mas de um certo modo já não era mais o mesmo, até o ambiente parecia diferente. Era como se a interação dos nossos corpos criasse energia suficiente para alterar o espaço-tempo, às vezes dilatando-o, às vezes contraindo-o, como se o espaço-tempo também tivesse entrado na dança. 

Quanto mais dançavamos, mais a intimidade do abraço aumentava. Quando a música se iniciava e o corpo dele encostava no meu, era como se dele saíssem raízes e penetrassem profundamente em mim. Senti o corpo do Felipe quentíssimo, mas depois de um tempo percebi que esse calor na verdade era a mais pura energia sensual que ele produzia, que acabava se dissipando em forma de calor. 

O suor dele era tal qual um veneno, mas não um veneno amargo. Era um veneno doce, viciante, embriagante, daqueles que você morre pedindo mais, mesmo sabendo que é veneno e que invariavelmente vai acabar te matando. Fatalmente comecei a desejar outro fluido do corpo dele.

O rebolado do Felipe era uma força da natureza à parte. Seu quadril parecia ter vida própria. Seu quadril conseguia até mesmo conduzir o meu quadril, como se nossas pélvis ensaiassem uma valsa sexual. Internamente, para cada rebolado que o quadril dele fazia e que me levava também ao rebolado, eu imaginava uma estocada do pau dele bem fundo em mim. Naquele ponto, eu já estava desejando que ele viesse descendo de ponta cabeça em um toboágua e eu esperando com o meu cu na outra ponta, recebendo-o todinho de cabeça.

O quarto já estava bastante abafado e nós dois estávamos bastante suados quando ele pediu uma pausa para descansar. Ele começou a mostrar outros vídeos aleatórios na TV, pedimos alguma coisa para jantar e continuamos com conversas aleatórias, mas a pauta da dança não retornou. Eu realmente estava achando que ele ia me comer com força, mas não rolou, ele não se aproximou mais. Ficou tarde e eu fui para casa.

Depois disso eu andei em alguns eventos de dança a dois que ele me convidou. Percebi que aquela tremenda energia que Felipe emanava não era só comigo, ele era assim com todo mundo que ele dançava, sempre dando tudo de si em cada dança, foi um pouco frustrante perceber que não era algo especial comigo, era só o Felipe sendo ele. Depois de conviver um tempo com pessoas desse meio, percebi na verdade que essa intensidade é bem comum entre os praticantes da dança a dois, percebi também que sensualidade não significa sexualidade. Uma pena, adoraria trepar com todos aqueles dançarinos maravilhosos, mas houve um que rendeu algo mais que uma boa dança.

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