No mês passado eu publiquei um texto chamado “5 meses sem ele”, logo no início eu falo que não queria escrever, mas sentia que precisava escrever. Dessa vez é o contrário, eu queria escrever, mas não sei se preciso, tanto que nem sei direito o que falar e provavelmente deve ter uma pá de gente já de saco cheio desse processo. De qualquer forma, aqui estamos mais uma vez.
Os dias 2, 3 e 4 de cada mês agora são sempre estranhos. É como se tivesse um ruído no tempo, uma cicatriz dimensional. É como estar dirigindo na estrada e de repente cair em um buraco que você não tinha visto, mas esse buraco é medido em tempo. Um buraco de 3 dias de profundidade.
Tem uma história que publiquei nas minhas redes sociais, mas não trouxe aqui para o blog ainda. No dia do velório do pai, a minha namorada, Jaiana, estava do lado de fora da casa, um carro parou em frente e um homem perguntou a ela se o Nazareno morava ali, ele estava com um passarinho pra mostrar pro pai, conhecia ele do bairro e sabia mais ou menos onde o pai morava, foi procurar o pai mesmo sem saber direito onde era a casa só pra mostrar o passarinho. Jaiana disse que ele havia falecido e justo naquele dia era o velório do pai. O homem ficou em choque, disse que depois voltaria pra saber como estava a família. Ele saiu no carro, mas a Jaiana ainda o viu parar um pouco mais a frente, o homem encostou a cabeça no volante e ficou um tempo ali, provavelmente chorando. Quase dois meses depois ele voltou lá em casa, entregou essas flores pra mãe, disse que gostava muito do pai e que sentiu muito a morte dele. Até então ela nunca nem sequer tinha visto esse homem. Meu pai é cheio de histórias assim, até mesmo depois da morte. Uma quantidade imensa de amigos que a gente mesmo fica se perguntando como ele consegue fazer amigos tão fácil.
Meu pai agora parece uma figura folclórica ou mitológica, uma personalidade tão incomum e cativante que é difícil de imaginar. Marinheiro, cozinheiro, cabeleireiro, pedreiro, eletricista, encanador, confeiteiro, desenhista, boêmio e até inventor. Um panteão inteiro concentrado em uma pessoa só. As histórias dele agora são seus mitos, suas lendas. As habilidades sociais dele fazem parte dessa cosmovisão. Quando postei uma foto dele nas minhas redes sociais e tornei público que ele havia falecido, choveu comentários de pessoas com histórias com o meu pai, quase sempre envolvendo uma dose de cana.
O senso de humor dele era outra faceta dessa mitologia, uma vez vi ele fazendo algum serviço de jardinagem na lateral da casa, reparei no que ele estava fazendo e decorreu o seguinte diálogo:
– Pai, o senhor tá plantando uma trepadeira onde já tem uma trepadeira. – No que ele se virou e disse.
– Tô vendo se elas trepam uma na outra pra fazer um sexo bem gostoso.
(nenhuma das trepadeiras vingou)
Teve outra vez, eu devia ter uns 18 anos, estávamos todos no Poço da Tábua (uma localidade no interior do Ceará que é distrito de Itapiúna), estava eu, a mãe, a Renata, a Vitória, a Cibele, o Daniel e o Marco (ex-marido da Cibele) dentro do quarto, só olhando pro tempo e jogando conversa fora (que é a principal forma de passar o tempo durante o dia quando se está no interior no meio do nada), o Marco falou algum palavrão, então a Cibele disse:
– O que é isso Marco? Não quero criar meus filhos com palavrão não viu? – Eu me viro para a mãe e pergunto com toda inocência e sinceridade que havia no meu coração.
– Mãe, o pai me criou assim e deu certo né? – Todos caíram na gargalhada, mas eu realmente demorei para entender qual era a graça.
Nessa mesma viagem, estávamos andando em grupo na rua à noite, uma estrada de terra sem iluminação pública e com vegetação alta dos dois lados. O grupo estava relativamente disperso quando ouvimos um barulho de peido, daqueles que sai tímido, como se a pessoa tivesse arrumado para sair silencioso mas tivesse falhado na missão, como estava escuro e o grupo disperso, todos se olharam por uns cinco segundos em busca do provável flatulante, então alguém perguntou:
– O que foi isso Nazareno?
– Pisei em uma rã bem ali. – A gargalhada mais uma vez foi geral. Dali em diante pisar na rã virou sinônimo de peidar. Essa piada levou vários anos para perder a graça.
Escrever o nome do meu pai já é o suficiente para me fazer chorar. Eu leio o nome dele e lembro que nunca mais vou ouvir alguém chamando-o pelo nome. Atento-me para o fato de que quando o nome dele está na frase, os verbos agora precisam ser conjugados no passado. O mesmo acontece com a palavra pai.
Eu disse lá em cima que ele também era metido a inventor, pois bem, uma das últimas coisas que ele fez foi um banco de madeira, mas não é um banco qualquer, na parte de baixo ele fez um cofre com chave. Ele vinha guardando o dinheiro dele nesse cofre. O banco fica em um quartinho embaixo da escada, nesse quartinho ele guardava suas ferramentas e fez uma pequena bancada de trabalho para fazer os reparos em equipamentos eletrônicos que ele costumava fazer. Todos os dias ele passava algum tempo nessa banca embaixo da escada, sentado no banco-cofre. Literalmente sentado em cima do dinheiro. Um gênio.
Vou parar por aqui hoje, para quem não sabia direito o que escrever, até que saiu bastante coisa. Eu queria muito chegar nos próximos dias 2, 3 e 4 e não cair nesse buraco de novo.